A mente também busca dar graças muito elaboradas. Mas a vontade, em quietude, sem ousar sequer levantar os olhos, como o publicano, sabe agradecer melhor que a mente com sua retórica e suas belas palavras. Não se deve deixar de todo a oração mental, nem algumas palavras, mesmo pronunciadas, caso a alma queira ou consiga dizê-las; porque, se a quietude for profunda, mal se poderá falar, exceto com muito esforço.
A meu ver, sentimos quando se trata do espírito de Deus ou quando esse estado é provocado por nós; neste caso, se Deus nos tiver dado um começo de devoção e quisermos, como eu disse, passar da vontade a essa quietude da vontade, nenhum efeito obteremos, pois o estado depressa se acabará, deixando aridez.
Se a devoção vem do demônio, penso que qualquer alma experiente o perceberá, visto produzir inquietação, bem como pouca humildade e disposição para os efeitos próprios do espírito de Deus. Nesse caso, não há luz no intelecto nem firmeza de vontade. Talvez isso provoque pouco ou nenhum prejuízo se a alma dirigir o seu deleite e suavidade, que sente nesse estado, a Deus, pondo nele seus pensamentos e desejos, como alertei; o demônio nada pode ganhar se assim agirmos, porque Deus permitirá que ele, com o próprio deleite que causa na alma, perca muito. Esse deleite faz com que a alma, julgando que é sempre de Deus, procure muitas vezes a oração pela avidez de se deleitar. Se a alma for humilde, não curiosa nem movida pelo interesse de prazeres, mesmo espirituais, mas amiga da cruz, nenhuma importância dará ao deleite gerado pelo espírito maligno. Quanto às coisas vindas do demônio, este, como é todo mentira, ao ver que a alma se humilha com gosto e satisfação (que nisso é preciso, em todas as coisas de oração e em todos os prazeres, tentar ser humilde), não volta muitas vezes, ao ver que sai perdendo.
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Mais uma vez, Teresa de Jesus, nos mostra a importância e o valor do silêncio total, nesta oração de quietude.
Permitam que eu transcreva um texto muito bonito, significativo e importante do grande educador brasileiro, Rubem Alves, e que muito nos fala sobre esta quietude que nossa Santa nos pede.
Rubem Alves, assim escreve:
“Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer…
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…
Tenho um velho amigo que se mudou para os Estados Unidos. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as ideias estranhas). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto. Ouçamos os clamores dos famintos e dos despossuídos de humanidade que teimamos a não ver nem ouvir. É tempo de renovar, se mais não fosse, a nós mesmos e assim nos tornarmos seres humanos melhores, para o bem de cada um de nós.
É chegado o momento, não temos mais o que esperar. Ouçamos o humano que habita em cada um de nós e clama pela nossa humanidade, pela nossa solidariedade, que teima em nos falar e nos fazer ver o outro que dá sentido e é a razão do nosso existir, sem o qual não somos e jamais seremos humanos na expressão da palavra”.
Será que Rubem Alves não está indo bem de encontro a tudo o que Santa Teresa nos diz sobra a Oração de quietude?
Olhe bem, quando ele escreve: “Para mim, Deus é isso: a beleza que se ouve no silêncio.”
Pegue o pincel e, num profundo silêncio interior e exterior, vá retratando na tela de sua vida o silêncio que está gritando dentro de você. E neste silêncio que grita, escute, veja e sinta o quanto você é uma pessoa amada e querida de Deus!
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